Beatriz Cerqueira: “Mexeu com uma, mexeu com todas”! Beatriz Cerqueira: “Mexeu com uma, mexeu com todas”!

Diversos | 2 de março de 2018

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“Só compreendemos a importância do debate de gênero em nossa sociedade, em nossas vidas, quando nos movimentamos abandonando o lugar que nos dizem que é o nosso! Já nos ensinou Rosa Luxemburgo: só sentimos as correntes que nos prendem quando nos movimentamos.

Foi assim comigo. Levou tempo até eu compreender o que é o machismo e a misoginia e que eu tinha (e tenho) o direito de não aceitar. É pela experiência que vivemos que vamos nos transformando. Nossa sociedade tenta silenciar as mulheres, invisibilizando a violência que sofremos, praticando menos direitos e salários, aceitando a cultura do estupro.
Sou professora há 22 anos. Nossa profissão é composta por mais de 80% de mulheres. Comecei a participar do movimento sindical tão logo comecei minha vida profissional. Acredito que estão ligados. É pela participação na organização da sua categoria que você pode mudar a realidade. Ninguém muda nada sozinho. É a coletividade que tem essa capacidade.

Em 2010 assumi, na direção estadual do Sind-UTE MG, a tarefa de coordenação geral. Eu era muito nova e foi um enorme processo de aprendizagem. Foi um período de intensos enfrentamentos com o modelo de choque de gestão no estado de Minas Gerais. Tive que rapidamente aprender a lidar com ataques que vinham da própria estrutura do Estado. Passei a conviver, a partir daí, com uma constante exposição pública, que me acompanha até hoje.

Em 2012, fui eleita presidenta da CUT [Central Única dos Trabalhadores] em Minas Gerais. Foi a primeira vez que uma mulher assumiria esta tarefa no Estado. A primeira dificuldade que vi foi ainda na formação da chapa para a direção. A maioria dos sindicatos indica homens! Aí compreendi na prática a importância de regras determinando uma participação mínima. Na época era de 30%, hoje é de 50% de mulheres na direção. Mas só estabelecer a cota não basta. É preciso também democratizar os espaços de poder, dividindo a participação nos cargos de decisão como presidência, secretaria geral e tesouraria. Tive e tenho que trabalhar muito neste espaço. Em geral, a sociedade não acredita que mulheres sejam capazes de falar sobre conjuntura, política, se posicionarem sem que tenham uma referência masculina ao seu lado. Como se nossa ascensão tenha sempre que estar a associada a uma liderança masculina!

Outro lugar que merece o nosso olhar crítico é o espaço parlamentar. Embora sejamos mais de 50% da população, somos sub-representadas em Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara dos Deputados e Senado. Isso é um debate essencial porque estamos falando de representatividade, direito das mulheres. Como homens decidem sobre a vida das mulheres, como o que aconteceu numa comissão que discutia a PEC [Proposta da Emenda à Constituição] 181 na Câmara dos Deputados? Foram 18 homens e uma mulher. Decidiram sobre a vida (ou condições que levam a morte) das brasileiras.

Tivemos no Brasil a primeira experiência em mais de 100 anos de República de eleição da primeira mulher presidenta. E ela foi tratada com todo o preconceito que existe na nossa sociedade. A imprensa cuidou de construir uma falsa imagem de que mulher não serve para os espaços públicos, não tem competência para administrar nem “jogo de cintura” para a política. Sabemos hoje que tudo isso foi dito para dar legitimidade a um processo de votação e interrupção do mandato presidencial sem base legal. Agora tem até deputado pedindo desculpas pelo voto.

Mas não precisamos de desculpas! Precisamos que o Brasil combata as diversas violências que estão presentes na vida das mulheres. Nos espaços que participo tenho tentado dar esta contribuição. É preciso falar sobre o que enfrentamos. É preciso que participemos cada vez mais dos espaços de decisões coletivas, seja no sindicato, seja na associação do bairro. Temos que cada vez mais dizer não à toda situação que nos afronta e nos oprime, denunciar qualquer violência que sofremos! E sempre sermos solidárias com o que acontece com outra mulher, como nos ensinou os recentes movimentos na Argentina de denúncia das violências sofridas por mulheres “nem uma a menos”!

E eu diria mais. Precisamos ter redes coletivas de proteção: mexeu com uma, mexeu com todas nós! Quando avançamos, o machismo retrocede!”

Por Beatriz Cerqueira – professora e primeira mulher eleita para a presidência da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT-Minas). Foi reeleita para o cargo na última eleição para o mandato 2015/2019. Também é coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG).