Vilarejo cercado por sete barragens em MG continua sem rota de fuga segura para rompimentos Vilarejo cercado por sete barragens em MG continua sem rota de fuga segura para rompimentos

Diversos, Notícias, Tribuna Livre | 11 de janeiro de 2022

Distrito de Macacos está em área de risco; muro construído pela Vale causou enchente que isolou a região


por Nara Lacerda | Brasil de Fato

Água, lama e risco: única estrada que não seria atingida por um possível rompimento tem trechos intransitáveis | ©Arquivo da Comunidade / publicação autorizada

 

A comunidade do distrito de Macacos, em Nova Lima (MG), continua parcialmente ilhada e sem nenhuma rota de fuga segura, em uma região que tem grande risco de rompimento de barragens.

Principal acesso do vilarejo à BR 040, a AMG 160 está alagada porque um muro de contenção construído pela Vale está represando a água da chuva.

Outra opção para chegar à rodovia federal passa por dentro de um condomínio local, mas tem trechos de terra, risco de atolamento e acidentes. A inundação também atinge uma via que liga o centro de Macacos ao bairro Capela Velha e facilita a passagem para a MG 030.

O distrito é cercado por sete barragens, uma delas está em alerta nível 3, o que indica risco alto de rompimento. A mina Mar Azul ou B3/B4 vai encerrar as atividades e passa por um processo arriscado de descaracterização, que envolve retirada de milhões de metros cúbicos de rejeitos.

Se houver rompimento, a população tem apenas uma rota de fuga, a estrada Campos Costa, que também foi atingida pela chuva e tem trechos intransitáveis.

Embora a pavimentação e a adequada sinalização do trecho sejam demandas antigas da comunidade, quase nada foi feito.

 

Muro de contenção antes da chuva | ©Arquivo da Comunidade – publicação autorizada

Estrutura ficou praticamente coberta pela água | ©Arquivo da Comunidade | publicação autorizada

A sirene

As famílias que vivem em Macacos convivem com o medo desde 2019, quando o foi elevado o risco da região e a Vale tocou a sirene de emergência da B3/B4. Na ocasião, centenas de pessoas tiveram que ser realocadas, porque viviam em áreas que seriam fortemente atingidas por resíduos em caso de rompimento.

Pouco tempo antes, o país assistiu ao desastre na barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que matou centenas de pessoas e causou danos ambientais e sociais sem precedentes na história do Brasil.

O professor André Luiz Freitas Dias coordena o Programa Polos de Cidadania da UFMG, que acompanha comunidades em cenários de conflitos urbanos e socioambientais. O território de Macacos é monitorado desde que o alerta foi acionado.

André afirma que violações de direitos foram agravadas a partir desse episódio, que representou mudança total nos modos de vida da população local. “A própria comunidade chama (esse processo) de ‘lama invisível’, que simplesmente varreu o território com uma série de violações de direitos.”

Segundo o professor, a população relata falta de diálogo, ausência de informações e silenciamento. Parte dos moradores e moradoras contam que não participaram de nenhuma fase do acordo celebrado entre a Vale, o Ministério Público e a Defensoria Pública de Minas Gerais sobre a região.

“Agiram no território à revelia das comunidades, das famílias que ali vivem. Desconsideraram a autonomia dessas pessoas no que diz respeito à condução de sua própria vida”, ressalta André.

“É gravíssimo. Durante muito tempo, a empresa sequer forneceu para as pessoas os mapas indicando devidamente onde o rejeito poderia passar caso houvesse um rompimento da barragem.”

 

O muro

A parede de contenção construída pela Vale em Macacos foi erguida justamente para conter possíveis rejeitos da B3/B4. A estrutura está sob curso de um pequeno ribeirão e é mais alta que um prédio de dez andares.

Com a chuva dos últimos dias, o nível da água aumentou e não há vazão. Nesta segunda-feira (10), a muralha estava praticamente coberta pela enxurrada. Imagens captadas pela população mostram a água no limite do transbordamento e uma grande quantidade de lama minando da terra na base da muralha.

Coordenador do projeto Manuelzão da UFMG, o professor Marcus Vinícius Polignano, afirma que falta planejamento por parte das mineradoras. O projeto atua desde a década de 1990 por melhorias nas condições ambientais para promover qualidade de vida na região. Polignano conta que o descaso é histórico.

“A gente assiste a uma repetição do mesmo. Estamos absolutamente à mercê dessas precariedades de infraestrutura que a mineração executa. Construíram um muro, com a ideia de fazer a detenção de lama caso houvesse o rompimento, só que esqueceram que por ali corre água e que com a chuva, água e lama estão se acumulando, virando um grande reservatório.”

O professor  aponta ainda que não há política eficaz de acompanhamento e controle por parte do estado. “Como essas estruturas são absolutamente frágeis e não respondem pela segurança? Enquanto isso, o estado se omite na fiscalização. Admitir a existência de estruturas e de uma economia que arrisca populações é absolutamente incompatível com o dever do estado.”

O distrito de Macacos fica a cerca de 30 quilômetros de Belo Horizonte e está na região em alerta vermelho para tempestades nos próximo dias, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia. O risco, portanto, deve continuar.

“Isso mostra a falta total de lógica, de planejamento, de preocupação com o futuro. Com uma solução que resolva problemas e que perceba que ali existem populações de atingidos. Isso é enxugar o gelo, ver o que vai acontecer para depois decidir o que fazer. Estão tentando fazer medidas a curtíssimo prazo, sem nenhuma visão para o futuro”, finaliza Polignano

Edição: Leandro Melito