Insatisfação com governo move jovens a votar pela primeira vez: ‘Bolsonaro não dá mais’ Insatisfação com governo move jovens a votar pela primeira vez: ‘Bolsonaro não dá mais’

Diversos, Notícias, Tribuna Livre | 2 de maio de 2022

Gestão federal na pandemia, desemprego e limitações na educação estimulam pessoas com 16 a 17 anos


por Clara Assunção | Rede Brasil Atual

“Quando me falaram ‘vamos tirar o título de eleitor’, eu falei ‘bora’. Tirei meu título porque quero dar meu voto para tirar o Bolsonaro”, conta estudante | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

 

Perto do prazo final para emissão do título de eleitor, a jovem Ashaly Larissa Silva Rodrigues, de 17 anos, anseia por usar seu documento desde novembro do ano passado. Antes mesmo da mobilização que vem tomando conta das redes para estimular os jovens a votar pela primeira vez, puxada por influenciadores, artistas e entidades estudantis contra o governo Bolsonaro, a estudante da rede pública do estado de São Paulo conta ter participado de um mutirão organizado à época pelos próprios alunos de sua escola, que reservaram a sala de informática para auxiliar os colegas de 16 a 17 anos que quisessem emitir o título.

A mobilização, segundo ela, foi imediata. “Todo mundo está bem ciente do governo atual, do que acontece. Quando me falaram ‘vamos tirar o título de eleitor’, eu falei ‘bora’. Tirei meu título porque quero dar meu voto para tirar o Bolsonaro”, explica.

Ashaly tinha apenas 13 anos quando Jair Bolsonaro foi levado ao cargo de presidente da República. A falta de lembrança daquele 2018 deu lugar a um governo que, para ela, tem a “cara da desigualdade” que avista todos os dias no portão de sua escola na região central da capital paulista. Os vários moradores em situação de rua encostados na mureta da instituição. “Uma coisa que infelizmente se tornou ‘normal’ de ver”, descreve.

“Você passa e vê pessoas deitadas no chão, dormindo, às vezes comendo. E aumentou bastante, porque antes da pandemia, por mais que tivesse, não eram tantas pessoas. Tinha dia que não víamos ninguém. Mas agora até quando chove as pessoas continuam lá, justamente numa parte que alaga, mas elas não têm para onde ir. (…) E muitas tinham uma casa, condições. E possivelmente muitas que foram parar nessa situação votaram no Bolsonaro, acreditando que iam conseguir melhorar de vida, quando, na verdade, pioraram. Claro que não dá para a gente não falar que a culpa é da pandemia, mas o governo devia estar preparado para dar um suporte. Teve o auxílio emergencial, mas não foi no começo. O que acontecia com as pessoas que no começo não tinha nada?”, contesta Ashaly.

 

Pesquisa mostra insatisfação

A gestão do governo federal durante a pandemia de covid-19, que tirou a vida de mais de 662 mil brasileiros, também é lembrada pela estudante de uma escola particular da zona norte paulistana, Mariana Oliveira, que se alistou, aos 16, no começo deste ano. “Com a situação do país eu decidi tirar (o título de eleitor) logo. O Bolsonaro não dá mais.”

“O ponto mais negativo não só para mim, mas para todo o país, foi o começo da pandemia. Ele (presidente) falar que não era nada, apenas uma gripe, nem ligando para a situação. Até hoje, na verdade, ele é o que menos mostra se importar e, para mim, essas atitudes do começo que fizeram o Brasil chegar à situação que está hoje, com esse monte de mortes”, afere a jovem.

A mobilização crítica ao chefe do Executivo por parte do eleitorado jovem também é percebida pela organização Quid, um laboratório de comunicação para causas progressistas que, desde fevereiro, pesquisa o que motiva ou não a juventude a participar do processo eleitoral. De acordo com o levantamento, divulgado com exclusividade para a RBA, os adolescentes de 16 a 17 anos, que escolheram se alistar e participar das eleições em outubro, fazem do voto uma leitura de mudança.

 

Impactos do governo

Mesmo alegando não entender muito de política, Kátia Gonçalves Santos (*), de 16 anos, que estuda numa instituição pública da zona oeste de São Paulo, também defende o voto “como crucial para tentar reverter o atual cenário do país“, que a preocupa principalmente pelos problemas de educação pública e crise econômica. “Sinto que fiquei um pouco defasada por causa da pandemia (na escola) e a educação do ensino público já não era boa. Também houve um aumento de tudo (preços), gasolina, alimentos. Isso impactou bastante a vida da minha família. Meu irmão, no início da pandemia, estava trabalhando, mas a empresa teve que cortar gastos. Ele foi demitido e ainda não conseguiu arrumar um emprego fixo”, conta ela sobre o primogênito de 21 anos, estudante de Engenharia Civil.

“E são muitas as famílias que foram afetadas como ele”, lamenta. A Diretora de Inteligência da Quid, Maíra Berutti, responsável pela pesquisa, destaca como “o ponto alto da rejeição de Bolsonaro” o modo como o presidente lidou com a pandemia e suas consequências. “Tem alguns alguns olhares possíveis que se refletem nas coisas que impactaram no dia a dia desses jovens”, chama atenção a comunicóloga e especialista em Pesquisa de Mercado em Comunicações, pela Universidade de São Paulo (USP). “É uma característica de fato dessa geração buscar mudanças, então, tem muita insatisfação em relação ao governo e enxergando o voto como um instrumento para essas mudanças se efetivarem na vida deles”, completa.

O estudo ouviu adolescentes de 16 a 17 anos que não debatem política no dia a dia, em seis grupos de discussões em São Paulo e Recife, todos eles da classe C. Apesar do recorte, o levantamento também encontrou fatores universais que explicam ainda a baixa participação desse grupo registrada até o momento pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

Afastamento eleitoral

A pouco menos de uma semana do prazo final para emissão do título, – que se encerra no dia 4 de maio –, 1.1051.184 jovens estavam cadastrados para votar. O que representa 17,46% dessa população (confira o gráfico abaixo) estimada em 6.021.961 de adolescentes que podem participar do pleito no dia 2 de outubro. Houve um salto de quase 100 mil novas solicitações apenas no final de março devido às campanhas na internet. Mas a participação desse eleitorado ainda pode ficar abaixo de 1% pela primeira vez.