‘Bolsonaro sabe que vai perder e quer o golpe’, diz historiador ‘Bolsonaro sabe que vai perder e quer o golpe’, diz historiador

Diversos, Notícias, Tribuna Livre | 9 de maio de 2022

Especialista em questões militares, Manuel Domingos Neto alerta que aversão das Forças Armadas por Lula pode “gerar um impasse” e que setores militares que seriam contra Bolsonaro, se existem, seguem no anonimato


Por Eduardo Maretti, da RBA

Generais Braga Netto, assessor especial do presidente, e Paulo Sérgio, ministro da Defesa, com Bolsonaro em solenidade oficial de governo: apoio das FFAA a um possível golpe autoritário ainda não está claro | Fabio R. Pozzebom/ABr

 

Nas últimas semanas aumentaram os temores de que as ameaças de um golpe de Jair Bolsonaro contra as urnas eletrônicas, o sistema eleitoral e as instituições democráticas tenham respaldo não só dos militares de seu entorno como de setores mais amplos das Forças Armadas. Senão respaldo, “vistas grossas”. As manifestações ambíguas do general e ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, contribuem para esse mal-estar.

Como sempre, a mais recente crise entre as instituições também foi deflagrada por Bolsonaro, que desafiou o Supremo Tribunal Federal e, em 21 de abril, concedeu a “graça presidencial” ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pela mesma corte um dia antes a quase nove anos de prisão. De certa forma, essa decisão de Bolsonaro foi o cumprimento – por decreto – da ameaça que fez em 7 de setembro de 2021, na Avenida Paulista, de que não mais acataria decisões do ministro Alexandre de Moraes.

Há duas semanas, ao responder uma fala ácida do ministro do STF Luís Roberto Barroso, o general Paulo Sérgio disse que “as eleições são questão de soberania e segurança nacional”. Já na última terça-feira (3), depois de reunião com o presidente do STF, Luiz Fux, o general disse que as Forças Armadas estão em “permanente estado de prontidão para o cumprimento das suas missões constitucionais”. Acrescentou que a atuação dos militares será para que o processo eleitoral “transcorra normalmente e sem incidentes”.

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Chamou atenção a ambiguidade das afirmações. Dizer que “as eleições são questão de soberania e segurança nacional” e que as Forças Armadas estão em “permanente estado de prontidão” pode servir tanto à defesa legalista da Constituição Federal de 1988 quanto às falas golpistas de Bolsonaro. Por vias tortas, o chefe de governo e militares aliados costumam evocar a Constituição e o artigo 142, que, segundo eles, autorizaria a intervenção militar por um “papel moderador” das Armas para a resolução de conflitos entre Poderes, o que juristas refutam.

Para o historiador Manuel Domingos Neto, especialista em questões militares e ex-vice-presidente do CNPq, a posição do presidente é muito clara: Bolsonaro, de fato, “quer o golpe”. “Ele sabe que vai perder (a eleição) e vai tomar suas providências”. No cenário, destaca-se que os militares não gostam de Lula, por vários motivos. Além disso, eles têm o pretexto da “inconfiabilidade das urnas”, repetido por Bolsonaro quase diuturnamente. Diante do quadro, repórteres sempre citam “fontes militares” descontentes com Bolsonaro, que garantem o respeito ao candidato que se eleger, seja quem for etc.

Mas Domingos Neto, doutor em História pela Universidade de Paris, questiona: onde estão esses militares que nunca aparecem a não ser protegidos pelo manto do anonimato? “Quanto a essas opiniões contrárias (a Bolsonaro), não aparece um nome sequer. É tudo em off!  Quem é o setor legalista das Forças Armadas? De que se trata, quem o compõe? Tem a turma que está zangada com a situação, mas que turma é essa?” Apesar da insatisfação com o presidente, “entre o bônus e o ônus, o bônus é maior” para os militares, o que garantiria a passividade diante das ameaças bolsonaristas à democracia.

Sobre as desconfianças que pairam sobre o suposto papel da CIA e do Departamento de Estado dos Estados Unidos, a opinião de Manuel Domingos Neto é de que a eleição de “Lula interessa, sim”, aos norte-americanos, ao contrário da análise de teóricos da conspiração, embora isso não signifique que os EUA poderão controlar o processo brasileiro. “Interessa porque com Lula você tem alguma racionalidade. Bolsonaro não dá garantia de nada”, diz o professor.

“Eu acho que os Estados Unidos estão jogando de olho na guerra, e essa guerra mexe com o mundo todo. O Brasil pode jogar um papel grande agora, nesse quadro. Uma referência política como Lula é inestimável no mundo atual”, diz. “Lula é conciliador, ele tem uma credibilidade que pode funcionar nessa crise mundial.”

Leia a entrevista de Manuel Domingos Neto:

Nos últimos dias e semanas é ventilada cada vez mais – inclusive nos meios de comunicação tradicionais – uma suposta predisposição dos militares a uma tentativa de golpe de Bolsonaro. Essa possibilidade é real?

Ele quer o golpe, não há jogo escondido nessa história por parte de Bolsonaro. A posição dele é muito clara. Ele sabe que vai perder, e está perdendo, e vai tomar suas providências.

 

Mas até onde vai o compromisso dos altos escalões do Exército e das Forças Armadas de modo geral com Bolsonaro e sua disposição para o golpe?

Eu acho que tem muita gente confiando que as Forças não intervirão, que ficarão quietas. Eu não tenho razões para acreditar nisso. As Forças Armadas não gostam de Lula, têm motivos para não quererem o Lula e podem agir, sim. Não que vão agir, mas receio que isso possa gerar um impasse.

Elas já estão metidas na questão da transparência das urnas. Ou seja, a motivação para a interrupção do processo eleitoral são as urnas, a suposta inconfiabilidade das urnas, e as Forças Armadas estão metidas nisso. As ameaças estão cada vez mais frequentes. Não há razão para esperar a paralisia das Forças Armadas nesse quadro.

 

Existe uma maioria das Forças Armadas do ponto de vista de um apoio a um golpe por Bolsonaro? Não haveria reação das próprias Forças? Qual o papel do general Paulo Sérgio, que é ambíguo no momento?

Eu acho que o general Paulo Sérgio age sob comando. Foi assim quando o Pujol era comandante (o general Edson Leal Pujol foi “demitido” do Comando do Exército em 2021 e substituído por Paulo Sérgio). Ele joga no quadro da hierarquia. Agora, quanto a essas opiniões contrárias (a Bolsonaro), não aparece um nome. É tudo em off!  Quem é o setor legalista das Forças Armadas? De que se trata, quem o compõe? Tem a turma que está zangada com a situação, mas que turma é essa? Qual o nome deles? Tem insatisfação, afinal de contas as Forças Armadas são achincalhadas todo dia. Podem estar descontentes, mas entre o bônus e o ônus, o bônus é maior.

Eles estão contentes. Os propósitos das Forças Armadas não são questionados, nem pela esquerda, nem pela direita. A esquerda não reclama do atendimento das reivindicações corporativas. Todas elas são atendidas. Então, o bônus é maior do que o ônus. Perdem em popularidade, as famílias militares ficam agastadas com essa onda de acusações, mas elas continuam sendo bem tratadas. As Forças estão em situação melhor do que o país. Por que vão se chatear?

 

Por que os militares não gostam de Lula, se em seu governo ele investiu, comprou equipamentos, valorizou as Forças?

São múltiplas razões. Incluem as razões de natureza estratégica. As Forças Armadas não queriam a integração sul-americana. Isso contraria os Estados Unidos. As Forças Armadas não têm autonomia para fazer nada, nem para existir da forma que existem, sem uma aliança com os EUA, e a política externa de Lula não lhes convinha.

Também as mudanças sociais afetam as Forças Armadas. Respeito aos direitos da mulher, dos negros, essas coisas todas aborrecem as Forças Armadas, porque elas foram concebidas para a manutenção de uma determinada estrutura social. Essa estrutura mudando, afeta diretamente o organismo.

 

É possível que a repulsa a Lula e ao PT venha, na verdade, da Comissão Nacional da Verdade?

É outra coisa também, mas não acho que seja o principal. Acho, inclusive, que isso poderia até ser negociado de algum jeito. E também não havia pressão do Lula nesse sentido. A Dilma Rousseff autorizou isso, já faz dez anos que ocorreu. Claro que está entre as motivações. O rol de motivações é grande, extenso. E é difícil dizer o que preponderou nessa decisão de os militares voltarem ao palco político.

O fato é que as Forças Armadas sempre ocuparam o palco. Vieram com tudo em 1930 e persistiram até depois do golpe que derrubou Getúlio em 1945. Getúlio caiu, mas as Forças Armadas continuaram firmes com o Marechal Dutra. Depois passou uma década até que conseguiram voltar. Mas sempre estiveram no palco, menos nesse período em que teve Juscelino, Jânio, Jango. Elas estavam também no palco, mas não com hegemonia clara. Mas logo readquiriram essa hegemonia.

 

Sobre as especulações a respeito dos Estados Unidos e da CIA, que papel o sr. acha que  eles pretendem desempenhar no processo brasileiro?

Acho que os Estados Unidos vão se envolver pelo que é melhor para seu papel na guerra atual. Não significa que eles poderão controlar o processo brasileiro, apesar de terem capacidade de influência.

 

Mas para eles o Lula não interessa…

O Lula interessa, sim. Interessa porque com Lula você tem alguma racionalidade. Bolsonaro não dá garantia de nada. Tem visão pequena.

 

Mesmo Lula tendo uma visão de um Brasil soberano, de construir alianças multilaterais e na América Latina?

Não há contradição. Lula é conciliador, ele tem uma credibilidade que pode funcionar nessa crise mundial. Por exemplo, é mais fácil o Bolsonaro ajudar Putin do que Lula. Lula se movimenta num jogo mais complexo, esse pessoal da CIA e do Departamento de Estado, eles sabem com quem podem contar, quem tem mais coerência.

Lula é o candidato de centro, já é experimentado. Ele sabe que não pode ultrapassar os limites porque senão não governa. Nós estamos precisando é de centro, no Brasil. E os Estados Unidos sabem disso. Lula já topou cumprir esse papel, já está claro.

 

Então, os EUA não vão intervir, de alguma maneira, na sua opinião…

Eu acho que eles estão jogando de olho na guerra, e essa guerra mexe com o mundo todo. O Brasil pode jogar um papel grande agora, nesse quadro. Uma referência política como Lula, veja, é inestimável no mundo atual. O sujeito toma um avião, baixa em Moscou, sai de lá, pode passar em Berlim, em Paris, em Londres, em Washington. Qual é a outra pessoa no mundo que pode fazer isso? Lula é um jogador global.