Gás de cozinha caro é o que mais pesa para as famílias pobres Gás de cozinha caro é o que mais pesa para as famílias pobres

Diversos, Notícias, Tribuna Livre | 5 de agosto de 2022

Redução de tributos não resolve o problema de preços dos combustíveis


por Sindipetro/MG

 

O Brasil voltou ao mapa da fome mundial, retrocedendo à década de 90. Mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau. São 33,1 milhões de pessoas que não têm o que comer, segundo pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), divulgada em junho de 2022. Houve um aumento de 7,2% desde 2020, e de 60% em comparação com 2018.

A população de baixa renda é a que mais sofre com a fracassada política econômica do governo Bolsonaro. Diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, as medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes. Assim como as iniciativas para conter os preços da gasolina, diesel e gás de cozinha, que impactam a inflação e aumentam a carestia. As medidas do governo não atacam a raiz do problema e revelam-se de caráter eleitoreiro.

Com aumento acumulado de 60% de janeiro de 2019 a julho de 2022, conforme dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), o preço do gás de cozinha (GLP) tira o sono das famílias brasileiras. Em Belo Horizonte/MG, o botijão de 13KG é vendido por uma média de R$112,67 – valor equivalente a 9,3% do salário mínimo atual. Esses valores impõem que milhares de famílias brasileiras tenham que escolher entre comprar o gás ou os alimentos para cozinhar.

O preço alto do gás leva algumas famílias a usarem lenha ou álcool para cozinhar, provocando aumento de acidentes domésticos. Em reportagem do portal Poder 360, o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki, explica que a partir de 2016, com a política da Petrobrás de Preço de Paridade de Importação (PPI), o botijão de gás, assim como a gasolina e o diesel, veio sofrendo reajustes. Segundo ele, foi a partir desse período que a lenha voltou a ser mais usada que o gás de cozinha na matriz residencial.

 

Consumo de lenha

O aumento do consumo de lenha como fonte de cocção de alimentos teve o maior patamar dos últimos 12 anos, com o consumo de 24 milhões de toneladas, em 2021. “Isso foi provocado pela perda do poder de compra do salário e pelo aumento no preço do gás em função da PPI adotada pela Petrobrás”, diz Nozaki, na reportagem.

Um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstrou que, de abril de 2021 a abril deste ano, o preço do botijão de gás aumentou mais de 32% no Brasil. O coordenador-geral do Sindipetro\MG, Alexandre Finamori, explica que a alta no preço do gás de cozinha é uma decisão política do governo federal, acionista majoritário da Petrobrás, e reflete a forma com que Jair Bolsonaro (PL) e Paulo Guedes tratam as pautas sociais. “O governo tem preferido gerar lucros exorbitantes aos acionistas, ao invés de utilizar a Petrobrás como instrumento de recuperação da economia brasileira e para diminuir a desigualdade social no país”, afirma.

Entre 2005 a 2010, a Petrobrás congelou o preço do gás de cozinha, que ficou abaixo de R$40,00 e, ainda assim, a empresa teve lucro, em 2010, de 35,2 bi. Se, em 2022, a Petrobrás retornasse com a sua margem de lucro para 32%, ao invés dos atuais 48%, seria possível obter lucro comercializando o botijão de gás de cozinha por R$60. Dessa forma, além de comercializar o produto por um preço menor para o consumidor, a empresa ainda estaria garantindo o seu lucro. Isso demonstra que é possível remunerar os acionistas sem virar as costas para a função social à qual essa empresa foi pensada e construída.

 

Medidas eleitoreiras

Bolsonaro, que quando deputado defendeu como política de combate à fome o controle de natalidade da população pobre, se viu pressionado por sua base eleitoral a tomar medidas de caráter social para diminuir os impactos dos aumentos abusivos dos combustíveis. Inicialmente, sua narrativa foi a de não se responsabilizar, depois passou a culpar a Petrobrás, encenando preocupação a partir de sucessivas trocas no comando da empresa, sem sucesso.

Com o apoio de líderes no Congresso Nacional, sancionou leis que alteram tributos e distribuem benesses, sem atacar a raiz do problema que é o PPI ou mexer com os acionistas privados da Petrobrás, entre eles os estrangeiros. Para a Carla Ferreira, socióloga e pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), com o aumento da pobreza e do desemprego, as medidas tomadas por Bolsonaro têm o objetivo de amenizar a visão negativa da população sobre os problemas econômicos e sociais do país.

Mesmo com mudanças nos tributos e possíveis reduções, os preços dos combustíveis estão altos. “Os aumentos de preço dos combustíveis rebatem nos preços dos alimentos e as pessoas deixam de consumir. A tentativa de Bolsonaro é melhorar a sua imagem perante o eleitorado que se importa com a economia. Mas é bom lembrar que as medidas do governo vão somente até dezembro”, afirma.

O governo federal já zerou os impostos federais sobre o diesel e o gás de cozinha, com um custo de cerca de R$20 bilhões e isso não resolveu o problema do preço dos produtos. Em março de 2022, foi sancionada a lei complementar nº 192 que zerou as alíquotas do PIS/Cofins do diesel até dezembro de 2022. Após esta medida, o preço do diesel nas refinarias da Petrobrás foi reajustado quatro vezes, o que fez com que não houvesse rebatimento da anulação do tributo na bomba, pelo contrário, os preços seguiram aumentando.  Apenas em 2022, o preço do diesel nas refinarias da Petrobrás acumulou alta de 68%.

No dia 23 de junho, foi sancionada a lei complementar nº 194, que determina que estados limitem a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre 17% e 18% (alíquota mínima de cada estado) sobre produtos e serviços essenciais, entre eles combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.

 

Perda de arrecadação

As medidas jogam a bomba para os governadores, que terão que arcar com as graves consequências para as contas públicas e a redução de investimentos em saúde, educação e segurança. Em Minas, o governador Romeu Zema (Novo) assinou o decreto para a redução do ICMS. Estima-se uma perda de arrecadação tributária anual de R$12 bilhões, ou seja, uma perda de 15% na receita do estado. De acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a estimativa é de que a redução do ICMS pode retirar até R$21 bilhões da educação no país.

“O governo nunca quis resolver o problema de fato. Não tem como tirar da cartola uma fórmula mágica. Bolsonaro toma medidas de forma abrupta, causando queda de arrecadação nos estados”, opina a pesquisadora do Ineep, Carla Ferreira. Segundo ela, o congelamento do ICMS é uma tentativa de evitar o aumento de alguns centavos, mas há outros elementos que continuarão puxando o preço para cima, como o preço do barril de petróleo no mercado internacional. “As medidas que envolvem mudanças na tributação não impactam o preço do gás de cozinha, porque as alíquotas desse produto já são inferiores a 18%. No diesel também são menores que esse percentual e o tributo federal (PIS/Cofins) já está congelado”, explica.

Na maior parte dos estados, o preço da gasolina teve queda. Quem comemora talvez não saiba que a economia no posto se dá às custas de recursos que não vão chegar às escolas e aos postos de saúde. “A questão que fica é o quanto os demais atores vão se apropriar dessa redução e em quanto tempo novos reajustes da Petrobrás irão anular essas medidas?”, questiona Carla.