Uma dívida de quase R$ 80 bilhões e uma coleção de déficits históricos. Quem mora em Minas Gerais e está acostumado a ler apenas boas notícias sobre o governo estadual nem pode imaginar que esses números negativos são de seu Estado. Mas uma análise detalhada dos dados da Secretaria da Fazenda feita pelo doutor em economia e professor da Escola de Governo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais Fabrício Augusto de Oliveira aponta que, ao contrário do que dizem as propagandas sobre o Choque de Gestão, Minas Gerais está em maus lençóis em sua situação financeira.
O economista, que também foi professor da UFMG e da Fundação João Pinheiro, estudou a dívida mineira e escreveu diversos artigos sobre o assunto, além do livro “Dívida Pública do Estado de Minas Gerais: A Renegociação Necessária”. Para ele, o que acontece é um exemplo da prática da Contabilidade Criativa, técnica usada por empresas públicas e privadas, desde 1970, para mascarar números não favoráveis.
“Os governos começaram a usá-la principalmente depois da Lei de Responsabilidade Fiscal para não sofrerem punições. Eles fazem isso escondendo gastos, jogando despesas em outras rubricas, lançando no orçamento receitas não recorrentes, ou seja, que não vão ocorrer todo ano”, diz. Em Minas Gerais, ele afirma que a prática acontece desde 2003, no início da gestão de Aécio Neves. De acordo com o economista, o governo adotou o conceito de resultado orçamentário em suas contas, o que permitiu a maquiagem dos números.
“Na avaliação de finança pública esse conceito não tem significado e foi usado só para vender boa imagem. A questão é que ele inclui na conta a contratação de crédito, o que não é receita, mas um recurso para o pagamento de uma dívida. Além disso, ele não inclui os juros e amortização da dívida com a União”, explica. Segundo o professor, o conceito adequado para a avaliação das contas no Estado é o de resultado nominal, que inclui os juros da dívida pública.
Peça de marketing
O economista afirma que, apesar de o governo ter divulgado que estava resolvendo o problema da dívida, a verdade é que o estado nunca deixou de ser deficitário e o Choque de Gestão foi muito mais uma peça de marketing do que uma estratégia eficiente. “Em Minas Gerais todo mundo tem medo de falar, seja imprensa ou consultores. Parece que estamos no paraíso, mas isso é uma ilusão. O governo fala muito em saúde e em educação, mas sempre foi devedor dessas áreas”, frisa.
Baseado em dados da Secretaria da Fazenda do Estado de Minas Gerais, o economista destaca que, no ano passado, o Estado teve déficits em todos os conceitos: orçamentário, nominal e primário. Ele chama a atenção para o déficit primário, de R$86 milhões, que não acontecia desde 1999. De acordo com o professor, esse número é preocupante, pois significa que o governo não está sendo capaz nem de pagar seus gastos básicos.
“Além de não dispor de recursos para pagar um centavo dos encargos da dívida, o governo ainda se vê obrigado a recorrer a novos empréstimos para honrar suas despesas primárias”, afirma. Ele também destaca o déficit nominal, de R$8,9 bilhões, que compromete 20% da receita líquida do Estado. Diante desse desequilíbrio orçamentário, a dívida consolidada líquida só aumenta, tendo saltado de R$70,4 bilhões em 2012 para R$79,7 bilhões no ano passado.
Ataque ao Funpemg
O economista afirma que a situação financeira do Estado ficou tão crítica que ele acabou sem caixa e precisou lançar um pacote de ajuste fiscal, em agosto de 2013. Mas, segundo o professor, como as pequenas intervenções não resolveram o problema imediato do governo, ele arriscou uma manobra maior, extinguindo o Fundo de Previdência do Estado de Minas Gerais (Funpemg) e lançando mão dos quase R$4 bilhões arrecadados pelos servidores.
Aprovadas em tempo recorde e de maneira eticamente condenável, as Leis Complementares 128 e 131, de 2013, não só garantiram o fim do Funpemg, como a transferência de todo seu dinheiro para o Fundo Financeiro da Previdência (Funfip). Para o diretor jurídico do Sindicato dos Servidores da Justiça de 2ª Instância de Minas Gerais (Sinjus-MG), Wagner de Jesus Ferreira, a manobra foi uma atitude desesperada do governo para cobrir seu rombo financeiro.
“Diferente do Funpemg, no Fumpip não há representantes dos trabalhados e tudo fica no controle do Estado. Na prática, o governo se apropriou dos recursos do fundo, levando tudo para cobrir os déficits de seu caixa”, afirma. Ele explica que, justamente por não ter controle, o Funpip foi alvo de desvios históricos, chegando a uma dívida de R$10 bilhões. Agora, os servidores temem que o ataque à previdência prossiga, ameaçando suas aposentadorias.