A guerra e a bomba no posto de combustível A guerra e a bomba no posto de combustível

Diversos, Notícias, Opinião, Tribuna Livre | 21 de março de 2022

O cenário é ainda mais preocupante considerando os seus impactos sobre o mercado de gás natural. Os custos da energia e do aquecimento no inverno do Hemisfério Norte tendem a ser crescentes


José Sérgio Gabrielli, William Nozaki | Poder 360

Foto: Jonathan Petersson / Pexels.

 

Os preços do petróleo devem permanecer altos em 2022. O barril do tipo Brent já atingiu mais de US$ 120 por barril. A alta nos preços está sendo provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, mas também por fenômenos mais estruturais: (i) os investimentos em exploração e produção caíram antes da pandemia, especialmente fora da OPEP; (ii) a Rússia e a OPEP  se aproximaram a fim de ampliar sua capacidade de controle da oferta e dos preços do barril; (iii) a retomada das atividades econômicas pós-Covid na China, em velocidade distinta dos demais países, criou uma defasagem entre a demanda oscilante e a oferta em recuperação.

O cenário é ainda mais preocupante considerando os seus impactos sobre o mercado de gás natural. Os custos da energia e do aquecimento no inverno do Hemisfério Norte tendem a ser crescentes. A maioria dos países está adotando alguma medida para evitar que essa pressão altista seja repassada para os preços dos combustíveis em seus mercados domésticos.

No Brasil, até 2014, adotamos medidas para criar condições de ter uma maior resiliência ante as altas do preço internacional do petróleo. As refinarias passaram por um processo de ampliação de investimento e ajuste de suas unidades para que pudessem processar petróleo brasileiro, assim como a Petrobras ampliou sua participação no segmento de distribuição de combustíveis.

No entanto, desde 2018 a Petrobras tem vendido suas refinarias, e as consequências se evidenciam no caso emblemático da Bahia, onde a privatização da RLAM não evitou que o estado tivesse os maiores preços de combustíveis do país. Embora a Petrobras não esteja repassando as elevações desde janeiro, o mesmo não vale para a nova operadora Acelen. Além disso, a Petrobras perdeu sua capacidade de atuação sobre o segmento de distribuição, com a venda da BR Distribuidora e da Liquigás.

O país virou importador de derivados e exportador de petróleo cru. Nesse cenário, aumenta a exposição aos riscos de desabastecimento e de prejuízos para a Petrobras na parcela importada de derivados. A situação só não é mais grave pois foi amortecida por uma ligeira apreciação do real e porque a alta qualidade e o baixo custo dos poços do pré-sal  viabilizam atividades abaixo de US$ 30 por barril. O fato de a Petrobras ainda manter uma parte da sua capacidade de refino integrada à produção também permite a ampliação da lucratividade.

É exatamente isso, inclusive, que tem sido um dos instrumentos utilizados pelo governo Bolsonaro para impedir a internalização da volatilidade das altas do barril de petróleo. E, aqui, é importante sinalizar uma elevada contradição na estratégia da companhia e do atual governo.

Ao mesmo tempo que, desde o final do ano passado, há uma elevação do fator de utilização das refinarias e recuperação do market share da Petrobras – segundo a Abicom, os importadores privados já não estão realizando mais compras de combustíveis –, a empresa persiste com a privatização das refinarias.

Essa contradição entre a ação de curto prazo e o projeto de longo prazo da companhia deixa evidente que o segmento de petróleo ficará, cada vez mais, refém das perturbações estrangeiras. Ao que tudo indica, apesar do papel central do refino para lidar com a crise dos preços, a Petrobras continuará com a venda de suas refinarias.

A manutenção desse equívoco colocará o país numa posição inédita de fragilidade externa. Na crise de 2008, por exemplo, a companhia foi capaz de adotar uma política autônoma de abastecimento, coordenando a produção e os preços dos combustíveis segundo os interesses nacionais.

Para que isso volte a ocorrer, o ideal é que a Petrobras retome seu papel estruturador, direcionando seus lucros para o investimento na expansão da capacidade de refino, distribuição e logística de derivados no país. É indispensável a retomada do projeto de expansão da capacidade de refino no Brasil para maior autonomia na gestão dos preços e abastecimento do mercado interno.

Por todos esses motivos, os derivados de petróleo e gás natural não podem ser tratados simplesmente como commodities. São recursos naturais estratégicos, pois são vitais para a economia e a segurança nacionais.