Brasil está na corrida global das petrolíferas pelo hidrogênio verde Brasil está na corrida global das petrolíferas pelo hidrogênio verde

Diversos, Notícias, Opinião, Tribuna Livre | 31 de dezembro de 2022
por Isadora Coutinho e Maria Clara Arouca | TN Petróleo

 

Enquanto a Europa lança seu primeiro leilão para compra de amônia verde, que pode ser obtida por meio do hidrogênio verde, as grandes empresas de petróleo não perdem a oportunidade de avançar na produção dessa nova alternativa energética mundo afora. Obtido a partir de um método produtivo conhecido como eletrólise da água, que requer água e energia renovável, o hidrogênio verde serve como uma medida de eletrificação indireta em processos industriais e no setor de transporte. Como exemplo, esse vetor energético pode substituir o carvão em siderúrgicas e o gás natural no aquecimento de edifícios, além de servir de insumo para produção de combustíveis sustentáveis para aviação e transporte marítimo e para produção de amônia, uma das matérias-primas base da indústria de fertilizantes.

Visto como o combustível do futuro, o hidrogênio verde tem se destacado como um caminho de descarbonização dos portfólios de grandes empresas de petróleo, as quais têm destinado bilhões de dólares para o seu desenvolvimento. Dentre os 20 projetos de maior destaque em termos de capacidade listados pela Agência Internacional de Energia Renovável em 2022, é possível citar o Asian Renewable Energy Hub, do qual a BP adquiriu em junho deste ano a participação acionária de 40,5% para ser operadora. Localizado na Austrália e com investimento de US$ 36 bilhões, o projeto, quinto maior da lista, prevê a capacidade de até 26 GW de energia eólica e solar para a produção de hidrogênio verde.

Outro projeto alavancado por grandes petrolíferas, o oitavo maior do mundo, é o NortH2, na Holanda, com previsão de capacidade de 10 GW até 2040. Esse projeto possui, entre outras empresas, a Shell e a Equinor como integrantes do consórcio desde 2020. A TotalEnergies também apresenta interesse no setor, com destaque para os estudos iniciados em 2021 pela sua subsidiária, TotalEren, para uma instalação no Chile. Denominado H2 Magallanes, o projeto totalizará até 10 GW de capacidade eólica para produção de hidrogênio verde no país, sendo o nono maior do mundo. Mais recentemente, a TotalEnergies firmou acordo com o conglomerado Adani para participar de um empreendimento em hidrogênio verde na Índia que pode investir até US$ 50 bilhões, prevendo a capacidade de 30 GW até 2030.

Países com grande potencial de geração de energia eólica e solar, por exemplo, serão, provavelmente, os principais produtores de hidrogênio verde em grande escala, garantindo maior competitividade. Esse combustível é ainda produzido principalmente próximo ao local de consumo, com transporte sendo realizado via gasodutos. O comércio global ainda é baixo, com diversos terminais de exportação de hidrogênio, em forma de amônia, ainda em processo de construção. Contudo, a Agência Internacional de Energia estima que até 2030, haverá 60 terminais, passando para 150 até 2050. A Agência salienta que o desenvolvimento de um mercado internacional de hidrogênio verde pode aumentar a diversidade de fornecedores de energia, aumentando a segurança energética dos países importadores de energia em particular – o que tem sido de grande interesse especialmente da Europa, que se encontra à procura de alternativas energéticas, sobretudo após a Guerra da Ucrânia.

O Brasil ganha visibilidade por conta das suas condições favoráveis para geração de energia renovável. O país demonstrou na COP27 o interesse e a expectativa em utilizar energia eólica offshore para produção de hidrogênio verde. Atualmente, há 70 projetos com processos em licenciamento abertos no Ibama para a instalação de parques eólicos offshore, totalizando 176,6 GW de potência. Cabe considerar que o Brasil conta com 181,6 GW de capacidade instalada de geração de energia elétrica, sendo o consumo total menor do que a oferta interna. Isso significa que, se tais projetos de eólica offshore forem autorizados, a capacidade instalada para geração de energia elétrica no país pode dobrar, podendo ser direcionada para o setor de hidrogênio verde, especificamente para exportação desse vetor energético.

Vale destacar que a Shell, a TotalEnergies e a Equinor estão entre os empreendedores com processos de licenciamento abertos no Ibama, o que pode indicar o aproveitamento dessa oportunidade de utilizar a energia eólica offshore para a produção de hidrogênio verde. Dos 15 processos dessas empresas, sete estão localizados no Nordeste, sendo quatro no Ceará. Nesse estado, há uma grande aposta para a construção do principal polo de produção e exportação de hidrogênio verde do Brasil, localizado no Complexo do Pecém, joint venture formada pelo governo do Ceará e pelo Porto de Roterdã. Além da vocação para produção de energia renovável, a maior proximidade geográfica em relação ao mercado europeu garante ao Nordeste papel estratégico.

A TotalEren, por exemplo, já demonstrou interesse no hub de hidrogênio verde de Pecém, quando assinou, em dezembro de 2021, um Memorando de Entendimento com o governo do Ceará. Já a Casa dos Ventos – que formou uma joint venture com a Total para atuação em projetos eólicos – avançou ao assinar, em dezembro, um pré-contrato para a instalação de unidade de produção de hidrogênio e amônia verde, também no Complexo do Pecém, com previsão de início da operação em 2026 e de até 2,4 GW de capacidade. Na mesma direção, a Shell assinou um Memorando de Entendimento com o Porto do Açu, em maio desse ano, para desenvolver uma planta-piloto de geração de hidrogênio verde no porto. Localizado no Rio de Janeiro – onde, nas imediações, a empresa também está com processo aberto no Ibama para instalação de um parque eólico em alto mar –, o projeto de hidrogênio verde tem previsão de ficar pronto em 2025 com capacidade inicial de 10 MW, podendo expandir até 100 MW.

Além das majors petrolíferas, até mesmo a Vibra Energia, ex-BR Distribuidora da Petrobras, já anunciou que pretende investir na área de hidrogênio verde, na busca em se tornar uma empresa provedora de qualquer fonte de energia, alinhada aos processos de transição energética. Enquanto isso, a Petrobras recém apontou, em seu novo Plano Estratégico para o período entre 2023 e 2027, o hidrogênio e a eólica offshore como segmentos em que aprofundará estudos para possíveis investimentos futuros.

Fato é que a economia do hidrogênio verde está cada vez mais atraente, em especial às empresas de petróleo e de energia europeias, as quais estão aproveitando sinergias com seus negócios existentes e a redução dos custos de energias renováveis e se posicionando à frente de grandes projetos para a produção desse vetor energético. Com um importante potencial de descarbonização de seus portfólios e da economia mundial, a corrida global pelo hidrogênio verde terá palco também no Brasil. Diante de desafios legais, logísticos e tecnológicos, resta também saber de que modo o país irá se posicionar diante do mercado emergente dessa solução energética, e se irá ou não se conformar em atender às necessidades de abastecimento dos países do Norte. Ainda, se a maior estatal brasileira irá atuar de forma estratégica nessa nova fronteira energética.