A estratégia sui generis do Brasil para o biocombustível em comparação às principais potências globais A estratégia sui generis do Brasil para o biocombustível em comparação às principais potências globais

Diversos, Notícias, Opinião, Tribuna Livre | 21 de dezembro de 2022
por Rodrigo Leão | Estadão

 

Nos últimos meses deste ano, o governo brasileiro tem adotado um conjunto de medidas que freia o crescimento previsto da produção de biocombustíveis no país. Redução do diferencial tributário em relação aos combustíveis fósseis, queda no ritmo de crescimento do percentual de mistura dos renováveis e uma aceleração na abertura para importações colocam em xeque a expansão da indústria de combustíveis renováveis no Brasil nos próximos anos.

Essa desaceleração deve reduzir o protagonismo do Brasil no mercado global de biocombustíveis, uma vez que outros grandes produtores e consumidores tem adotado o caminho oposto. Nos EUA e na Ásia, há um conjunto de políticas públicas, como elevação do percentual de mistura, subsídios fiscais, uso obrigatório de biocombustíveis, que deve estimular o crescimento do uso de biocombustíveis nos próximos anos.

No setor de biodiesel do Brasil, após o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) acabar com os leilões bimestrais de biodiesel em outubro de 2021, que garantia uma estabilidade de demanda para os produtores locais, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aprovou, em setembro de 2022, uma resolução para liberar as importações de biocombustíveis em 2023, sujeita à consulta pública. O governo também autorizou o uso do diesel verde (diesel coprocessado com insumos renováveis), que na sua composição possui apenas 5% de combustível limpo, no percentual de mistura ao diesel fóssil, retirando a exclusividade do uso de biodiesel. Além disso, neste mês de novembro, o CNPE manteve o percentual obrigatório de mistura de 10% do biodiesel ao diesel até março de 2023. A expectativa era de que, naquele período, esse percentual já estivesse em 15%.

No etanol, o cenário não é muito diferente. Com as isenções de impostos federais e a redução do ICMS sobre a gasolina, houve uma queda do diferencial tributário em relação ao etanol. Como resultado desse movimento, “o etanol está mais vantajoso que a gasolina agora apenas em um estado brasileiro: Mato Grosso”, segundo o último levantamento de preços de combustíveis feito pela ANP. Além disso, o CNPE propôs uma redução da meta de aquisição de crédito de carbono que deve desestimular a produção dos biocombustíveis.

Todas essas medidas adotadas pelo governo brasileiro colocam um empecilho para os produtores de biocombustíveis do país. Primeiro, porque eles passam a concorrer com o mercado internacional, segundo, porque a demanda está bem abaixo daquele que foi prevista pelos produtores nacionais e, terceiro, porque as medidas fiscais e regulatórias estão reduzindo a competitividade dos biocombustíveis em relação aos combustíveis fosseis.

A atual estratégia do Brasil é bem diferente daquele promovida por outros países, que buscam elevar o uso dos biocombustíveis na sua matriz energética. De acordo com o último relatório divulgado pela Agência Internacional de Energia (AIE), que traz um panorama do setor de biocombustíveis, a produção de biocombustíveis deve crescer 28% até 2026. Esse crescimento deve ser puxado, principalmente, por políticas governamentais de incentivo ao setor, além do crescimento da demanda e da redução de custos produtivos.

A principal região onde deve se concentrar esse crescimento é a Ásia. Os países asiáticos devem responder por um terço do crescimento da produção de biocombustíveis nesse período, superando a produção europeia. Essa nova posição da Ásia está sustentada na perspectiva de aumento do percentual de mistura dos biocombustíveis aos combustíveis fosseis, ao uso de financiamento para alavancar as exportações de etanol e biodiesel e na aplicação de subsídios fiscais para estimular o consumo. O relatório da AIE detalha alguns instrumentos implementados por países do continente.

Na China, houve a criação de uma série de instrumentos para estimular os biocombustíveis desde que divulgou o seu 14º Plano Quinquenal. “(…) o país planeja atingir o pico de emissões antes de 2030. Como parte desse plano, a China deve promover vigorosamente o desenvolvimento de indústrias alternativas como biocombustíveis líquidos avançados e combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês)”. Além disso, o país está construindo unidades de produção de biocombustíveis, principalmente de aviação, para exportação.

“Na Indonésia, a demanda de biodiesel deve crescer em 38% até 2026, estimuladas por subsídios diretos ao consumo de biocombustível. Apesar disso, em abril de 2021, o país atrasou a implementação de sua meta de mistura de 40% de biodiesel, em razão dos altos preços do biodiesel. Todavia, na nossa previsão, a matéria-prima e os preços dos biocombustíveis devem cair nos próximos anos e, com isso, a Indonésia pode retomar sua política de mistura de biodiesel, o que resultar num aumento da demanda anual em 3 bilhões de litros até 2026”, cita o relatório da AIE.

Além de China a Indonésia, a Índia também tem promovido uma política agressiva de expansão dos biocombustíveis. O governo indiano antecipou a meta de mistura de 25% do etanol à gasolina de 2030 para 2025. Mesmo que haja limitações de oferta interna para atender essa antecipação, a previsão é de que a produção de etanol na Índia cresça significativamente até 2026, de acordo com a AIE.

Nos EUA, o principal produtor global de biocombustíveis, está em curso medidas visando ampliar ainda mais esse mercado. Uma política adotada pelo governo foi de impor que o uso de SAF represente 15% do mercado de combustível de aviação até 2030. Para isso, foi criada uma linha de crédito fiscal específica para a produção de bioenergia. Além disso, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA “estabeleceu uma obrigação de mistura de 20,63 bilhões de galões (78,09 bilhões de litros) de combustíveis renováveis. O volume é um pouco menor do que o proposto em dezembro do ano passado, mas é a maior obrigação já estabelecida na história do programa de Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS, na sigla em inglês)”.

Isso mostra que na busca por uma matriz energética mais limpa, os principais motores da economia global estão colocando os biocombustíveis no centro de sua estratégia energética. Isso porque, além de serem combustíveis renováveis, eles permitem elevar a segurança energética dos países. Por trás do incentivo à produção de etanol e biodiesel, os governos dos EUA e da China explicitam a busca por reduzir as importações de petróleo e seus derivados.

Por isso, causa grande estranheza a estratégia do governo brasileiro de retirar às proteções ao mercado interno de biocombustíveis e, mais grave, de eliminar os incentivos que vinham impulsionando a indústria nacional. Diferentemente do que acontece no resto do mundo, a abertura de mercado energético está à frente, inclusive, da nossa segurança energética.